Ao longo da história regional, todas as etnias (indígenas,
caboclos, imigrantes ou descendentes) contribuíram com conhecimentos, técnicas,
práticas e maneiras de cultivar, manejar e/ou produzir alimentos para o consumo
humano. Deste modo, saberes historicamente herdados e acumulados – alguns muito
praticados por nossos ancestrais (antepassados) – foram e são reproduzidos e praticados
regionalmente, trazendo, como consequência, a oportunidade do consumo, pela
população, de muitos sabores diferenciados.
Nossa região possui fantástica diversidade nativa de frutos,
raízes, tubérculos, sementes e outros, além dos subprodutos produzidos a partir
do saber coletar ou cultivar e do saber aproveitar (saberes) dos nossos primitivos
habitantes, que geram excelentes sabores. Em um passado recente, contudo, o
consumo de alguns produtos, como banha, ovos e outros foi desprezado e ignorado
por meio de narrativas e preconceitos, sob o pretexto de que os mesmos fariam
mal à saúde humana.
De igual modo, a partir do processo de industrialização,
fomos orientados pelo mercado e potencializados sistematicamente pela grande
mídia para o consumo de produtos industrializados. Paralelamente, em um período
da história recente, os agricultores da região também foram orientados e
financiados, tanto por investimentos privados quanto incentivados pelo setor
público, a se dedicarem à produção de somente alguns produtos, como suínos,
aves e leite. Neste contexto, questiona-se: Por que muitos dos alimentos que
consumimos precisam vir de tão longe? Isso faz parecer que a região e nossos
agricultores não são capazes de produzir alimentos! Ressalta-se que, atualmente,
de maneira geral, somos uma sociedade apenas consumidora e urbana, sem condições
de produzir alimentos e, por conseguinte, nos tornamos reféns ou somos obrigados
a consumir produtos industrializados, processados, enlatados e prontos.
Por outro lado, desde as grandes feiras comerciais, tais
como a Exposição Internacional de animais, máquinas, implementos e produtos
agropecuários (Expointer), que ocorre no Estado do Rio Grande do Sul, até as
festas ou exposições municipais e regionais, bem como as pequenas feiras,
especialmente os espaços reservados à Agricultura Familiar, mostram a dinamicidade
e a diversidade de produtos e serviços ambientais vinculados às atividades
agrícolas e agrárias de caráter local.
Além disso, tais práticas mostram o potencial que se tem em
continuar desenvolvendo experiências e práticas de produção saudáveis e
sustentáveis socialmente, economicamente e ambientalmente, e, nessa questão, temos
experiências regionais muitíssimo interessantes. Vejam, por exemplo: de um
suíno, além da carne, são produzidos subprodutos como o salame colonial, a banha,
o queijo suíno, a morcela ou morcilha, o torresmo; do leite, produz-se queijos,
nata, manteiga; de frutas e outros, doces e geleias; do milho, a canjica e as farinhas
transformadas em polenta e quirera; da cana de açúcar, o açúcar mascavo (e daí
a rapadura, o puxa-puxa, melados, cachaça); da farinha de trigo, o macarrão e os
panificados (cucas, bolos, pães); da uva, as geleias, os vinhos e os sucos
artesanais.
São tantas outras iguarias que possuem histórias de saber
fazer – saberes –, que resultam em produtos e subprodutos com sabores
diferenciados. Constata-se, nesse sentido, a necessidade de que sejam ampliadas
as políticas públicas de incentivo à valorização desses saberes artesanais em
pequenas agroindústrias vinculadas à produção de tais produtos, bem como de
salvaguardar tais conhecimentos – saberes e sabores.
No caso, saberes e sabores podem ser considerados um
patrimônio imaterial, que contribuem sobremaneira para a segurança alimentar, servindo
como fonte de renda e viabilidade econômica e, acima de tudo, fazendo parte da
cultura alimentícia regional. A maioria desses produtos são endógenos, ou seja,
são produzidos e consumidos regionalmente, inclusive com custos mais acessíveis
aos consumidores. Apreciar e consumir os produtos e subprodutos que resultam
dos saberes e sabores regionais é uma das maneiras de resgatar, valorizar,
fortalecer e potencializar a cultura alimentícia, os valores agregados, a
economia e o cuidado ambiental regional.
Dr. Jairo Marchesan. Docente dos Programas de Mestrado e
Doutorado em Desenvolvimento Regional e do Programa de Mestrado Profissional em
Engenharia Civil, Sanitária e Ambiental da Universidade do Contestado (UnC).
E-mail: jairo@unc.br