No grupo de 34 brasileiros que foram trazidos de Wuhan, na China, que ficará por 18 dias de quarentena em Anápolis (GO), está também um diplomata natural de Caçador, no Meio Oeste de SC, e que ainda hoje passa as temporadas de verão com os pais em Florianópolis.
Flávio Pazeto atua há quatro anos no setor político da Embaixada do Brasil em Pequim e ajudou a coordenar toda a operação que trouxe de volta os brasileiros de Wuhan para o território brasileiro.
No início do processo, coube a Flávio articular com o governo central chinês e com os gestores regionais da província de Hubei a permissão para que os brasileiros deixassem a cidade e retornassem ao país de origem.
Mas o envolvimento do diplomata catarinense com a operação de retirada dos brasileiros de Wuhan ficou ainda maior a partir da quarta-feira da última semana, 5. Enquanto a embaixada conferia os passaportes e a documentação dos brasileiros que embarcariam no voo de volta, àquela altura já confirmado, Flávio e mais dois colegas da embaixada embarcaram em um carro e dirigiram por mais de 1,2 quilômetros até chegar à cidade de Wuhan, considerada o epicentro do coronavírus na China.
O trajeto demorou 16 horas porque no caminho os diplomatas ainda enfrentaram uma forte nevasca. Wuhan é capital da província de Hubei e, fora da China, não era muito conhecida antes de ser considerada o local de maior circulação do novo coronavírus. Uma cidade de 11 milhões de habitantes, que no Brasil, só ficaria atrás de São Paulo em tamanho de população. Mesmo assim, ao chegarem à cidade, o diplomata catarinense e os dois colegas se depararam com uma cidade em completo isolamento.
O diplomata explica que não havia circulação de carros, pessoas e pouquíssimos comércios ainda funcionavam. Em muitos condomínios, a orientação era não deixar as pessoas saírem. Órgãos do governo é que iam até os edifícios para distribuir alimentos. Sem conseguir sair de casa, muitos também não podiam comparecer ao trabalho e deixavam de ser remunerados.
– É uma visão bastante impressionante. Não era só o receio de pegar o vírus. Sim, todos estávamos, inclusive eu em Pequim, mas em Wuhan, para controlar o contágio pelo vírus, o governo tomou medidas drásticas, corretas, mas relativamente drásticas. Então muita gente ficou com dificuldade de locomoção, mas também de acesso a alimentos e a dinheiro – explica o diplomata.
Veículos alugados e ida de porta em porta
Flávio e os outros dois diplomatas chegaram a Wuhan às 14h da quinta-feira e de imediato já começaram os preparativos para o voo de volta dos brasileiros, que partiria na madrugada de sexta pra sábado. O primeiro passo foi alugar um ônibus e duas vans.
Já na sexta-feira, os diplomatas seguiram com a organização e pediram permissão ao governo da província de Hubei para que os brasileiros que estavam em cidades vizinhas a Wuhan pudessem dirigir até algum ponto da cidade onde pudessem se encontrar com o restante do grupo que embarcaria para o país.
– Colocamos em um mapa a localização de todos que estariam no voo, e a partir daí fizemos um trabalho de ônibus escolar. A partir das 20h, fomos de casa em casa, com a ajuda de um grupo muito forte de universitários que mora lá. Terminamos a operação de recolhimento às 23h e nos concentramos todos no hotel onde eu e meus colegas estávamos. À meia-noite de sexta para sábado, formamos um comboio, que já havia sido combinado, e fomos até o aeroporto.
No aeroporto, os brasileiros e poloneses que também integraram o voo passaram por uma avaliação de sintomas, para descartar qualquer sinal suspeito da doença, e embarcaram nos dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Militares usaram roupas de proteção para evitar contato com os passageiros.
– Uma vez que se decide entrar na área de contágio, é fazer as coisas básicas. Usar máscara, lavar as mãos, álcool gel. As coisas são muito básicas. Mas o que se pode fazer é muito pouco. Enquanto estávamos em Wuhan, mesmo no ônibus, era isso – conta o diplomata sobre os cuidados adotados para evitar o risco de contaminação em solo chinês.
Clima nos primeiros dias de quarentena em Goiás
Por ter contato com os moradores que estavam em Wuhan, Flávio e os demais diplomatas também precisarão passar pela quarentena em Anápolis (GO) – o governo chinês não permitiu que esse período de isolamento fosse cumprido na casa deles, em Pequim. Nesses primeiros dias, a impressão pessoal do diplomata catarinense é positiva sobre a recepção dada aos brasileiros na base aérea do Estado goiano.
– Pessoalmente, não só a Força Aérea tem feito trabalho impecável, como o Ministério da Saúde, o Itamaraty, todos os órgãos envolvidos. As pessoas estão aliviadas, dispostas a passar pela quarentena, satisfeitas com esse desfecho – conta.
Ao fim dos 18 dias, Flávio deve retornar para Pequim para continuar a atuação na Embaixada brasileira em Pequim. Mas a impressão que teve ao atuar na província que até esta segunda-feira já registrava 871 das 910 mortes causadas pelo coronavírus no mundo foi um dos pontos que mais o marcaram nestes dias de operação para o regresso dos brasileiros.
– O que mais me impressionou foi como eles realmente conseguiram fazer com que uma cidade de 11 milhões de pessoas ficasse inteiramente fechada. A cena ao entrar em Wuhan é de completo isolamento – conclui.