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Texto publicado no jornal A Notícia em 1998 pelo colunista esportivo Maceió

O ex-rebelde da camisa "onze"

De família humilde, ganhou fábulas, mas perdeu tudo em farras e noitadas

A perda de oxigênio no cérebro apressou a morte de Ademir Padilha há duas semanas. O mais polêmico e temperamental dos craques que passaram pelo Ernestão nos dourados anos-80 se engasgara durante um almoço, foi reanimado, mas perdeu os sinais vitais e morreu aos 37 anos. Rastreando o perfil dos jogadores brasileiros que perderam a Copa da França, nenhum (nem mesmo Ronaldinho) tinha a estrutura física de Padilha: resistência anaeróbica, tônus muscular, capacidade pulmonar e, acreditem, um ambidestro que, infelizmente, mais por culpa do próprio jogador (profissional relapso), o futebol privou de jogar nos maiores estádios do mundo. Claro que os tempos hoje são outros, os esquemas aboliram a figura do ponta específico, o talento cede espaço a regras burocráticas, mas Padilha, com seus dribles moleques, seus cruzamentos e chutes, era um caso raríssimo. Corria com a bola presa nos pés e, na primeira ginga, o lateral esfregava o traseiro no chão. Repito, ninguém nessa seleção tinha tanto jogo de cintura. E quando o pau cantava, mais ele partia pra cima.

Fama e miséria

Ademir Padilha chegou ao Ernestão em janeiro de 80. O clube pagou dois milhões de cruzeiros à Caçadorense. Natural de Erechim, tinha 20 anos e um futebol que iria trilhar caminhos diferentes. Do passe linear... às aprontadas extras-campo, conviveu com dois mundos. Fama e miséria. O ex-lateral Nelsinho Batista, último técnico de Denílson no futebol brasileiro, conhece bem de perto essas histórias. Em março de 80 Nelsinho jogava no Santos e o JEC apareceu na Vila para disputar uma partida do Brasileiro. Padilha arrancou do meio do campo, velozmente, carregando a bola, em zigue-zague, rente à lateral. No terceiro drible, Nelsinho foi parar no alambrado, de cócoras. Driblando no espaço correspondente ao diâmetro de uma mesa, Padilha era predador. Não havia quem o marcasse. Pena que nunca teve os pés no chão. Gostava de um pileque e, quando bebia além da conta, pobre da mulher. Ademir chegava em casa quebrando pratos, chutando móveis e ai de quem atravessasse seu caminho. Em Joinville, deu e apanhou da polícia, fechou um prostíbulo na "Benjamin Constant" e não pagou a conta. Bateu em dois "seguranças", quebrou garrafas, pintou o sete. Em valores absolutos, Padilha representa a maior transação do futebol catarinense em todos os tempos. Vendido ao Grêmio, em 83, deixou nos cofres do JEC 350 mil no dinheiro de hoje e os passes de Walter Diab e Carlos Silva, jogadores que vieram do América do Rio em troca de uma dívida que aquele clube tinha com o tricolor gaúcho. Somando o valor venal destes jogadores e mais o que entrou em dinheiro, o pacote fechou em mais de 700 mil. Transação recorde no futebol catarinense, superior inclusive a de Zenon e Beto Fuscão que foram seleção brasileira.

Vida boêmia

Padilha passou seus últimos dias dormindo em albergues e bancos de praças públicas. Como diz Armando Nogueira, numa de suas obras-primas, "a bola caminha entre o sórdido e o sublime". Com o mesmo fulgor de seus dribles, Padilha deixou fugir pelas mãos tudo que ganhou no futebol. Teve vida fugaz no Grêmio, Portuguesa, Coritiba, XV de Jaú, novamente Joinville e em pelo menos mais dez clubes menores - até acabar seus dias no modesto Maravilha, da região oeste de Santa Catarina. Ademir era um Deus alado. Atleta da mais nobre linha genética. Com o pé direito punha a bola onde queria. De curva, de trivela, ensaiando a velha coreografia dos grandes bailarinos. E, com o esquerdo, batia forte. Era mortal nos chutes à meia-distância. "Jogador-lameiro", nos dias de chuva infernizava a vida dos laterais e a galera explodia em gostosas gargalhadas. O ponta-caipira apresentou-se a São Pedro na semana passada e, com ele, abriu o seguinte diálogo: - Tem um lugarzinho bom pra mim ? - Tem, mas depende da sua ficha pregressa. São Pedro acessou seu computador e, em três segundos, lá estava seu dossiê: quinze adultérios, oito quebra-quebras, três surras na mulher, quatro prisões, a venda da televisão do Juventus de Jaraguá, dezenas de calotes em taxistas e orgia na Boate Primavera (pediu dois streap-teases, mandou servir champagne para todas as prostitutas e, depois, fugiu pela janela). "Mas, pode entrar. Quem foi o Charlie Chaplin da bola, não merece castigo!"


Murilo Roso

muriloroso@hotmail.com