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Crônicas

Todos somos árvores


Era um brotinho gerado por uma semente que caiu levada pelo vento. Sonhava em crescer, fazer sombra, dar frutos, acolher todo ser que se aproximasse com o carinho e o abraço que só a natureza pode dar... Era um brotinho sonhador. Os mais velhos o incentivavam a crescer em sabedoria e graça, não desprezar qualquer forma de vida que se aproximasse, servir de fuga para as espécies mais frágeis, trampolim para macacos apaixonados e brincalhões, alimento e palco para a passarada mostrar suas lindas canções...

O brotinho cresceu, engrossou o tronco e a cobiça dos seres humanos. Estava viçoso, colossal, tinha grandes galhadas que reuniam a sinfonia dos pássaros toda manhã... Era aquilo que sonhara, estava feliz por poder contribuir com a harmonia da natureza ao seu redor... Quantos namoros começaram debaixo de sua sombra... Quantas crianças brincaram no estágio da vida real ao seu redor...  Quantos animais foram acolhidos por aquela árvore de tronco forte e galhos extensos...

Um dia, ouviu-se distante, um barulho de civilização... Motores que roncavam durante o dia e silenciavam durante a noite em busca de progresso... Dia a dia, o ruído se aproximava e nossa árvore protagonista ficava aflita, pois via, de sua copa, muitas amigas sucumbirem, tombarem, renderem-se ao poder imponente da civilização humana desumanizada...

E chegou a sua vez... Como chega a vez de todos, queira, ou não... Sentiu a dor doída da serra da ganância humana... Tentava manter o equilíbrio, mas o corte, cada vez mais profundo a obrigava a se inclinar... Resistiu, mas teve que tombar... Porém, como toda árvore, apesar de parecer morta, continuava viva e, lá do chão, castigo de quem ousa crescer e engrossar os troncos mais do que os outros, ela ainda sonhava...

Até mesmo as árvores cortadas sonham... Queria continuar sendo útil,,, Quem sabe assoalho, forro, ou paredes para abrigar uma família de humanos, quem sabe transformar-se-ia numa casinha de cachorro para dar um teto ao melhor amigo do homem que a derrubou. Poderia reviver em móveis e utensílios... Poderia ainda ser processada, acrescentada a um monte de produtos químicos e se tornar papel, levando conhecimento e informação a todos os seres racionais... De alguma forma, queria ser útil. Mesmo sabendo que serviria para sempre àqueles que lhe furtaram seus sonhos mais sublimes...

Uma árvore tem sua missão dada pelo criador. Ela fica lá, paradinha, a mercê do vento... Mas sua presença é de fundamental importância para o ecossistema. Seus galhos e seu tronco cumprem com louvor seu papel, apesar de ninguém reconhecer da forma merecida... Mas ela é tão generosa que, mesmo depois de tirada de seu ambiente, ainda se dedica para melhorar a vida dos seres ao seu redor... Mesmo tombada, uma árvore não deixa de servir...

Márcio Roberto Goes


Márcio Roberto Goes

Professor de Língua Portuguesa, língua Espanhola e suas respectivas literaturas, efetivo na rede estadual de ensino de Santa Catarina, graduado em Letras pela Unc, antigo campus de Caçador e especialista em análise e produção textual pela FAVEST. Escritor, palestrante, diretor artístico e locutor da Web rádio Ativa Caçador. Membro da Academia Caçadorense de Letras e Artes.

marciogrm@yahoo.com.br